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Somos o que compartilhamos… Ou será que compartilhamos o que queremos ser?

O processo de criação de identidade, segundo a psicanálise, pode ser descrito como a etapa que marca o final da adolescência para o inicio da vida adulta, etapa no qual passamos que ajuda a definir quem somos. Mas reforçamos, conscientemente e inconscientemente, ao longo da vida, a nossa identidade – ou as nossas identidades. Portanto, quando falo em construção de identidade aqui não estarei me referindo apenas a esse processo da juventude do ser, mas as ações que temos para tentar construir quem somos (ou quem queremos ser).


Na verdade, para a sociologia, a nossa identidade é definida por um conjunto de identidades, como identidade nacional, identidade étnica, identidade etária, identidade profissional, entre outras. A identidade nacional é responsável por nossas características que nos ligam a o local em que vivemos, como costumes nacionais, regionais ou locais; A identidade étnica, usando o sociólogo Fredrik Barth como referência, é aquela que nos liga a indivíduos semelhantes a nós (fisicamente ou psicologicamente); Identidade etária é facilmente descrito como as características de nossa identidade que nos ligam a idade que temos.

A identidade é uma necessidade básica do ser humano. Poder responder à pergunta “Quem sou eu?” é tão necessário como afeto ou comida. Como disse Erich Fromm: “Essa necessidade de um sentimento de identidade é tão vital e imperativa que o homem não poderia ser saudável se não encontrasse algum modo de satisfazê-la”. A identidade é uma necessidade afetiva (sentimento), cognitiva (consciência de si próprio e do outro como diferente) e ativa (o ser humano tem de tomar decisões fazendo uso de sua liberdade de vontade). A identidade é como um selo de personalidade. É evolutiva e está em continua mudança. Não se trata de uma característica dada, mas que se desenvolve e faz parte da historia de cada individuo.Fundação Sindrome de Down

Fundação Sindrome de Down

No contexto atual, com o ~advento da internet~, a construção de identidade passa a ter uma agravante famoso: as mídias sociais. Estamos expostos a muito mais pessoas diariamente, somos vistos, ouvidos e lidos por centenas de pessoas todos os dias, e isso influencia diretamente o nosso comportamento. As mensagens que posto publicamente no Twitter em meu perfil pessoal atingem algumas dezenas de pessoas, algo infinitamente maior do que conseguiria atingir antigamente, sem a internet.

Estamos consciente que nossas mensagens estão chegando mais longe, estamos atingido amigos, familiares e colegas de trabalhos todos os dias em que publicamos algo no Facebook e é inocência nossa pensar que isso não é levado em consideração quando publicamos algo. Sabemos que estamos sendo lidos/ouvidos, por isso publicamos, por isso escolhemos o que iremos publicar.

Nunca vi ninguém publicar que estava comendo arroz e feijão, mas todos adoram publicar que estão comendo sushi. – Anônimo

Anônimo

Porque publicamos apenas os momentos felizes? Porque o cotidiano não aparece – com tanta frequência – quanto os outros momentos? Claro que há gente que publica tudo, mas é a exceção, não a regra. A regra, ou seja, a maioria das pessoas, publica apenas o que há de bom, o que considera interessante. Viagens para outro país, festas, pratos chiques, compras extravagantes. O que as pessoas estão realmente querendo dizer?

O canal School of Life (que recomendo, é um dos meus preferidos) tem um excelente vídeo (em inglês) sobre a “Ansiedade do Status” (que você pode assistir abaixo), algo relacionado principalmente ao nosso “mundo moderno” e criticado no vídeo por ser o resultado da meritocracia que vivemos hoje, onde acreditamos que todos tem as mesmas oportunidades e, assim, fazem por merecer, mas que na verdade é algo muito mais complexo porque gera um subproduto, a ansiedade de não ter dado certo – “se todos tem as mesmas oportunidades, por que eu não sou milionário também?!”. Como ele explica no vídeo, o fato de as pessoas serem (ao menos parecerem!) felizes faz com que os outros se sintam tristes por não alcançar os mesmo objetivos. Este assunto está colado com as mídias sociais, que são usadas como principal canal para construirmos a nossa identidade e, assim, nos gabar de nossa – suposta – felicidade.


Há muita gente questionando a felicidade dentro das redes sociais, como Shaun Higton, em seu vídeo “What’s on your mind?“, publicado em 2014, que questiona justamente essa “felicidade” dentro do Facebook. Será que estamos realmente felizes? Ou apenas queremos parecer felizes?


A felicidade dentro das redes sociais é mentirosa e isso é perigoso, na verdade, é um dos maiores perigos de nosso século.
Milhares de palestras sobre cultura digital usam a frase “somos o que compartilhamos“, quando na verdade deveríamos usar “compartilhamos o que queremos ser“. Queremos ser o entendedor de comidas caras, queremos ser a pessoa que conhece o mundo, queremos ser o mais legal, o mais inteligente, o mais notável. Queremos ser alguém que não somos, de fato.

Estamos vivendo uma epidemia narcista, como apontam os psicólogos Jean M. Twenge e W. Keith Campbell em seu livro “The Narcissism Epidemic” (A Epidemia Narcisista), ondem falam justamente sobre o surto narcisista que vive os Estados Unidos, mas que se não é muito diferente no resto do mundo. Claro que o narcisismo não tem relação apenas com as mídias sociais, mas são facilmente reconhecidas lá dentro.

É inegável, usuários do Facebook são mais narcisistas, alguns estudos já mostraram isso. O Ponto Eletrônico se aprofunda ainda mais nesse “narcisismo digital” falando sobre o “Vazio de Cada Like“. Qual é a relevância de saber quantas pessoas curtiram ou comentaram a sua foto?

As mídias sociais criaram uma silenciosa e acirrada disputa entre as pessoas para mostrar quem aparenta ter a vida mais bacana. Pensamos que estamos felizes com o que temos até nos depararmos com um update na rede social que sussurra o contrário: você poderia ser mais interessante. Não para você, claro, mas para os outros. De que adianta ser feliz sem platéia? Compartilhar um ideal de vida é a cauda de pavão virtual — e nem sempre corresponde à realidade.O Vazio de Cada Like

O Vazio de Cada Like

O que dizer das selfies então? Não é difícil relacionar a ação de tirar fotos de si mesmo – as famosas selfies – com comportamentos narcisistas, assim como também não é difícil encontrar estudos que apontem essa relação. Se podemos tirar foto de um local, porque há a necessidade de aparecermos juntos?

Uma vez, visitante uma outra cidade, fui tirar uma foto de uma paisagem que havia gostado quando tive uma conversa mais ou menos assim com a guia do local:

  • “Deixa que eu tiro a foto para você!”
  • “Sem problemas, eu tiro aqui.”
  • “Mas daí você não vai aparecer!”
  • “E qual o problema?”
  • “As pessoas não vão saber que você esteve aqui!”

Estamos nos tornando mais narcisistas. Precisamos mostrar o que estamos fazendo para as pessoas. Precisamos mostrar que viajamos, que temos amigos, que amamos, que nos divertimos. Mas por que precisamos mesmo?


Faça um exercício consigo mesmo, entre no Facebook agora e veja as dez primeira publicações de pessoas que você conhece na vida real. O que aquelas pessoas estão realmente querendo dizer? Aquela foto na praia… aquela foto do restaurante chinês… aquela foto ajudando uma criança carente… aquela foto com os amigos na festa… Qual é a utilidade prática de cada uma dessas publicações? Mas é ainda mais louco pensar que mesmo quem não compartilha, inconscientemente está querendo dizer algo, nem que seja “eu não faço parte dessas pessoas que publicam qualquer besteira”. Se você compartilha apenas links, notícias e citações famosas, não se engane, você está apenas tentando criar uma identidade intelectual 😉
Não sejamos hipócritas. Entre agora no seu Facebook e veja as suas últimas dez publicações. O que você realmente estava querendo dizer? Qual é a relevância de cada uma daquelas publicações. Cuidado, é muito fácil se iludir.


Talvez a resposta de muitos de nós seja: “Queria apenas compartilhar a minha felicidade.”. Mas porque você julga que a sua felicidade, realização, viagem ou janta é tão relevante a ponto de ser compartilhada com outras pessoas? Ou melhor. Se você publica apenas para compartilha com os amigos, por que se importa com a quantidade de likes e comentários? Ou por que apaga aquela foto que não gosta mais?

No livro “Life on the Screen“, a autora Sherry Turkle lembra que “[…] não é incomum para as pessoas se sentirem mais confortáveis em um lugar irreal do que no real, porque elas sentem que, na simulação, elas revelam seu melhor e talvez mais verdadeiro eu.

Quando as pessoas não são próximas da gente seus perfis descolados, engraçados e cults podem gerar duas sensações em nós: 1- admiração, vontade de conhecer a pessoa, de ir nas mesmas festas e viagens, de conhecer aqueles amigos legais, conversar sobre aqueles filmes, livros e discos. (essa sensação geralmente vem seguida de uma grande decepção) ou 2- sensação de fracasso (essa sensação geralmente vem seguida de uma pergunta “porque eu não consigo ter uma vida assim?”).A Felicidade em Tempos de Facebook

A Felicidade em Tempos de Facebook

Uma matéria de 2011 do Harvard Business Review, “The Comparing Trap” (A Armadilha da Comparação), Thomas DeLong questiona justamente o impacto de nos compararmos tanto com os outros. Usando seu texto como base, sabemos que toda vez que atingimos algo, nosso padrão de sucesso se altera e com isso estamos constantemente sendo cobrados por nós mesmo, isto causa a “ansiedade de status”, citada anteriormente no vídeo do School of Life. Sempre há alguém no seu Facebook que parece estar em uma festa legal, com amigos mais legais, fazendo coisas mais legais, enfim, sendo mais legal que você. Você, mesmo não fazendo conscientemente, quer mostrar para todos – e talvez para você mesmo – que também está feliz. É fácil ver isso, preste atenção no que você tem no seu Facebook, qual é o objetivo de tudo aquilo? Ainda no Harvard Business Review, Daniel Gulati afirma, “Facebook is Making us Miserable” (O Facebook está nos tornando miseráveis), também vale a reflexão.

Isso tem tudo a ver com as redes sociais?
Sim, acredito que a lógica da rede social é transformar o seu ‘eu’ em várias imagens postadas numa lousa chamada mural (Instagram). Ou em um local chamado linha do tempo (Facebook).
E as pessoas só postam imagens felizes…
Isso anda junto. Quando a gente trabalha com essas formas de apreender o mundo, estamos falando em fazer um Show de Truman (filme protagonizado por Jim Carrey, que descobre que sua vida, na verdade, é um programa de TV) em escala planetária. É um grande circo contínuo, divertido, engraçado e feliz, um delírio. Só que isso tem um custo e a clínica mostra isso. Claramente.
“Como é possível na era da felicidade não ficar doente de tristeza”

“Como é possível na era da felicidade não ficar doente de tristeza”

O poema “Look Up“, de Gary Turk, transformado no video abaixo fala um pouco sobre o nosso processo de nos tornarmos “anti-social”, o que é justamente uma ironia, uma vez que falamos tanto em um mundo mais conectado, mais social… Mas estamos nos conectado por que? Ou para quem? Ou melhor, com quem?!


Pare um pouco e pense. Por que estamos compartilhando o que compartilhamos? Somos ou queremos ser algo?

Post publicado originalmente em: 03/11/2015

Por Dennis Altermann

Criei este blog para compartilhar alguns conteúdos relevantes sobre comunicação digital e o impacto dos meios digitais na sociedade. Aproveita para interagir comigo lá no Twitter @eu_Dennis